Tag Archives: ciberjornalismo

O futuro do impresso e outras perguntas para as quais dou as respostas possíveis

Volta e meia tenho alguns estudantes de jornalismo a enviarem-me perguntas para fazerem trabalhos académicos. Se entram em contacto comigo é por recomendação dos professores (creio eu), logo não tenho grandes problemas em responder, já que a minha opinião vale o que vale: às vezes digo umas coisas giras, outras vezes nem por isso. Mas tento sempre contribuir para uma melhor nota destes alunos, e como ainda me lembro dos meus tempos de estudante tento ser o mais útil possível.

Desta vez foram duas alunas do Instituto Superior Miguel Torga que entraram em contacto comigo, e que levantaram algumas questões para os seus projectos escolares. Como ando um bocado ocupado, cá vão as respostas neste post. Espero que sejam úteis e que não saia grande asneira. As duas primeiras respostas são para as duas, já que perguntaram-me essencialmente o mesmo.

Acha que perante a evolução que o jornalismo  online está a registar, os jornais tradicionais vão sobreviver?

Esse é o erro, achar que há um jornalismo tradicional e um jornalismo que é a sua antítese. O que existe é um modelo de produção baseado numa plataforma e que está estabelecido – o impresso – e que se confunde com jornalismo. Jornalismo é uma actividade, um jornal em papel é uma plataforma assim como a sua versão digital, e os conteúdos é que deveriam ser tidos em conta quando se fala de “jornalismo”.

O processo jornalístico no fundo não varia em 95% da sua totalidade de um meio para o outro, é preciso perceber ainda o que é notícia, como verificar a informação, tratá-la, validá-la. Os outros 5% são a forma como transmitimos esses conteúdos, que podem ser num texto estático em papel ou online, ou usando narrativas digitais. Cada uma destas formas de transmissão de conteúdos têm características próprias,  riquezas e propriedades únicas que não definem a qualidade do jornalismo efectuado.

Esta comparação é sempre feita entre jornais em papel e os formatos digitais e nunca com a televisão ou a rádio, dois meios com narrativas mais próximas do potencial do online e que ninguém questiona se vão desaparecer ou não. Isso é porque se pensa no digital como uma duplicação do que está no papel, e os formatos e linguagens que podemos usar ultrapassam largamente o texto. Como as linguagens da televisão e da rádio são dinâmicas não se questiona tanto a sua sobrevivência,  mas o risco é igual para todos.

No fundo, acredito que o meio, a forma como as notícias são transmitidas, é muito importante mas não é essencial. É preciso repensar os meios tradicionais de forma a que forneçam o que o online não pode transmitir, e que permita aos consumidores terem experiências ricas de consumo de informação, dentro das características próprias do suporte. Os meios tradicionais que consigam fazer isso irão sobreviver. Mas é preciso que estejam cientes da lógica do online e das suas potencialidades e, acima de tudo, das suas diferenças em relação aos formatos existentes.

Na sua opinião, que modelos de comunicação têm de adoptar os media tradicionais perante o digital?

Acima de tudo, não copiar outros modelos e transferi-los para o digital. Não fazer televisão para o online mas narrativas video que sigam a lógica do ambiente digital, nem copiar o papel para o digital mas fazer algo que use o potencial do digital, nem que seja a utilização de links, o nível mais básico de implementação de ferramentas online para um texto. Os modelos de comunicação têm que ter em conta os factores de interactividade, interacção social – partilha, recomendação, participação – e a utilização de linguagens dinâmicas.

Cada meio tem características próprias, se os respeitam nos formatos que conhecem, porque não respeitar as características do meio digital?


Quais são os casos, jornais tradicionais, na sua opinião que correm sérios riscos de no futuro encerrar edição?

É uma pergunta à qual não quero responder. Quando falamos de encerramentos estamos a falar de pessoas que vão perder o emprego, muitas vezes já precário, e não gosto de falar disso, o mercado de trabalho está mal preparado para esta evolução que foi ignorada pelas direcções (e que continua a ser em alguns sítios). Pode haver é uma aposta prioritária no online, como no caso do Público, que recentemente reforçou a sua equipa, duplicando o número de jornalistas da redacção online, mas isso não significa que haja publicações a fechar, mas apenas a reinventar-se para o meio digital.

Havia uma espécie de bolsa de apostas informal onde se apontavam alguns nomes de publicações que podiam fechar, mas de acordo com algumas previsões isso já deveria ter acontecido no ano passado. Felizmente  não aconteceu, mas muitas estão em situações complicadas. Espero que estejam a ser definidas estratégias sensatas e realistas para que se possa enfrentar o futuro de forma mais pragmática e optimista.

Não vou apontar nomes. Tenho respeito a quem trabalha no duro todos os dias em condições difíceis, e que está no jornalismo porque gosta da profissão, e estaria a faltar a esse respeito se indicasse algum caso em particular.

_________________________________________________

E é isto. Espero que as minhas ideias sejam úteis. Mas queria deixar uma nota: eu estou disponível para ajudar no que for preciso, mas por favor, não me enviem logo perguntas de rajada sem me dizerem para o que é ou porquê. E se não puder responder não fiquem chateados, neste momento sou um gajo bastante ocupado, e às vezes não dá mesmo para nada. Se forem simpáticos, partilhem os resultados do vosso trabalho comigo, muitas vezes não sei qual foi o destino das minhas respostas.

Obrigado por se terem lembrado de mim, e boa sorte, que é uma coisa que não acontece se não fizermos por ela.


Yesterday’s presentation at Porto’s University | Apresentação de ontem na U.Porto

%CODE1%

So i was invited this week to give a talk to the Cyberjournalism seminar students at Porto University, and it wasn’t that bad.

I took the opportunity to present two ideas that i have and that are still under development: “The Upward Spiral- an information flow model” and “New properties of news contents”. I’ll develop these concepts sometime soon here in the blog.

I must thank the students who beared with and Helder Bastos, their teacher, for inviting me.

Ontem fui dar uma pequena palestra aos alunos de Ciberjornalismo na Universidade do Porto e não correu assim tão mal.

Aproveitei a oportunidade para apresentar duas ideias que tenho e que ainda estão em desenvolvimento: “A espiral ascendente- um modelo de fluxo informativo” e “Novas propriedades de conteúdos noticiosos”. Eu irei desenvolver estes conceitos em breve aqui no blog.

Queria agradecer aos alunos que me aturaram e ao Hélder Bastos por me ter convidado.

Portugal: Multimedia & Online Journalism Awards | Prémios de Multimédia e Jornalismo Online

Video Journalism award winner | Vencedor do prémio de videojornalismo
Video Journalism award winner | Vencedor do prémio de videojornalismo

Last week, the ObCiber awarded, for the second year, the best online journalism works in Portugal. It’s a good way to recognize and evaluate the state of multimedia and online activity of portuguese media, but the feeling I get is that there is a lot to be done.

If we look at the nominees, we see that, basically, only three different  major news companies made the cut: Jornal de Notícias, Público and Radio Renascença, which are in fact the ones who are developing multimedia in the newsrooms in a sustainable way. The portuguese public television RTP also made the list, with their effort in mobile journalism during the elections, something that deserves to be analyzed by itself, since it had an experimental side to it. But that will have to stay for later.

Here are the winners of this year’s edition:

Na semana passada, o Obciber atribuiu pelo segundo ano os prémios para o melhor jornalismo online em Portugal. É uma boa forma de reconhecer e avaliar o estado e a actividade online dos media portugueses, mas sinto que ainda há muito por fazer.

Se olharmos para os nomeados, vemos que basicamente apenas três marcas informativas chegaram lá: Jornal de Notícias, Público e Radio Renascença, que são de facto os que estão a desenvolver o multimédia nas redacções de forma sustentada. A RTP também está na lista, com o seu trabalho de jornalismo móvel durante a campanha eleitoral, algo que por si só merece uma análise mais aprofundada, devido ao seu lado experimental. Mas isso vai ter que ficar para outra altura.

Eis os vencedores deste ano:

Full House for JN | Full House para o JN
Full House for JN | Full House para o JN

The most nominated and biggest winner was the daily Jornal de Notícias, one of the top selling newspapers in Portugal. They were practically running by themselves in most categories, so the Overall Excellency in CyberJournalism award was more than expected. They also won in Best Multimedia Story, with a work about the credit crunch and citizen’s debts, and Best InfoGraphics with a work about Poker.

Público, last year’s big winner, got the Breaking News award. Radio Renascença, the most heard radio in the country, won in the Video category with a piece about nuns in a monastery (they’re a Catholic radio), rewarding their efforts in the video department, that is one of the most hard working in Portugal, and that has been consistently delivering good works.

In college journalism, the Porto’s University news endeavour JornalismoPortoNet took the prize home with the “Porto Adrift” dossier.

O mais nomeado e o maior vencedor foi o Jornal de Notícias, um dos jornais nacionais com maior circulação. Como concorriam  quase sozinhos na maioria das categorias, o prémio de Excelência Geral em Ciberjornalismo era mais do que esperado. Eles também venceram na categoria de Melhor Reportagem Multimédia, com um trabalho sobre o endividamento dos portugueses, e Melhor Infografia com um trabalho sobre Poker.

O Público, o maior galardoado no ano passado, venceu em Breaking News. A Rádio Renascença venceu na categoria de Video, com um trabalho sobre freiras num mosteiro (são a rádio  católica portuguesa), recompensando o seu investimento no departamento de video, que é um dos que mais e melhor trabalha no país.

No jornalismo universitário, o JornalismoPortoNet levou o prémio para casa com o dossier “Porto à deriva

Entre o deve e o haver - JN_1260276904278
Best Multimedia Story | Melhor Reportagem Multimédia

Alfredo Leite, deputy director of Jornal de Notícias, told me that these awards are the recognition  of the work that the newspaper has been developing, and an “added responsibility, since the Observatory (ObCiber) gathers some of the people we acknowledge as the most competent in Digital Journalism” in Portugal.

He claims JN is one of the most solid news websites in the country “though most times we are not seen that way” by a mainstream audience. “It is also the confirmation of a multidisciplinary team that slowly has been integrating in the digital platforms all the journalists and other resources” of the newspaper.

In my opinion, there has been an evolution in Portuguese multimedia news but there is a lot to be done. What i hear is that some strategic mistakes have been made in some newsrooms, by appointing people who know nothing about the internet to coordinate multimedia, the neglect of the online towards a dead tree investment, and a demand for quality where there are no minimum working conditions.  But  that is not journalism, is plain politics.

Still, some are trying. And those will be the ones who will succeed.

Tell me what you think about these works in the comments.

Alfredo Leite, director adjunto do Jornal de Notícias disse-me que estes prémios são “o reconhecimento do trabalho que o JN tem vindo a desenvolver, muitas vezes de forma invisível, de consolidação da sua edição digital” e “uma responsabilidade acrescida já que este Observatório reúne algumas das pessoas a quem mais competências reconhecemos e matéria de jornalismo digital no nosso país”.

Ele afirma que o JN é “das webs mais sólidas do país, ainda que nem sempre sejamos reconhecidos enquanto tal pelo mainstream.”

“É também a afirmação de uma equipa multidisplinar que aos poucos tem integrado na plataforma digital todos os jornalistas e outros recursos do JN.”

Na minha opinião, tem-se assistido a uma evolução no jornalismo multimédia em Portugal, mas é preciso fazer mais. Do que ouço, há erros estratégicos a serem cometidos em algumas redacções, que nomeiam gente que não percebe nada de internet para coordenadores de multimédia, há negligência nos conteúdos online em favorecimento do papel, e uma exigência de qualidade onde não há condições mínimas para o fazer. Mas isso não é jornalismo, são politiquices.

Mesmo assim, há quem tente. E esses terão sucesso. Digam o que pensam sobre estes trabalhos nos comentários.

Entrevista II: Ciberjornalismo e ética

A Íris Martins é aluna do Professor Vítor Malheiros na Lusófona em Lisboa e entrevistou-me no âmbito do seu trabalho sobre Ética e Ciberjornalismo. Andámos um bocado às voltas do mesmo, mas acho que não digo grandes asneiras (eu acho sempre arriscado entrevistarem-me para estas coisas, estão notas em causa) . O que me preocupa é a distinção que se faz do ciberjornalismo do jornalismo. Mas eu marco a minha posição.

-Existe alguma ética específica para o Ciberjornalismo?

Não creio, a função é a mesma e terá que seguir os trâmites e regras do Jornalismo. O Ciberjornalismo implica “apenas” uma mudança de meio, velocidade, formatos,  e de relação com o público. Mas os paradigmas éticos deverão ser os mesmos que os do Jornalismo tradicional. É claro que novas questões se levantam, mas se aplicarmos os princípios éticos básicos temos muitos problemas resolvidos. A ética para o Ciberjornalismo terá as suas especificidades, na atribuição e relação com as fontes e a entrada dos cidadãos na criação de conteúdos, mas creio que a ética já existente é aplicável na maioria das situações.

-Se não existe será que há necessidade dela?

A ética por definição é o conjunto  de regras que têm por objectivo as boas práticas para um bem geral, no caso do Jornalismo, para uma aplicação correcta, independente e socialmente valiosa da informação. Como já disse, o prefixo “ciber” refere-se a uma plataforma, o que interessa aqui é o Jornalismo per se. Há a mesma necessidade porque é a mesma actividade.

-Serão as regras dos meus tradicionais passíveis de aplicar à web?

Sempre, e terão que se encontrar respostas para novas questões, mas os fundamentos básicos mantém-se. A velocidade sempre foi o maior problema na informação e nunca se foi tão veloz como agora, o que cria problemas no processo de recolha, verificação e distribuição de informação. Os princípios éticos mantém-se, e os processos básicos também. No fundo, o trabalho do jornalista é exactamente o mesmo: recolher, verificar e difundir informação. As ferramentas e o grau de envolvimento com o público é que mudaram, mas no cerne da profissão pouco mudou. Um mau jornalista é um mau ciberjornalista e vice-versa, para além das questões técnicas de tratamento de informação há um elemento de formação pessoal que pesa muito e acabamos por nos esquecer disso.

-Num mundo em que todos podem ser repórteres de que modo os valores éticos se vão conseguir manter?

A avalanche de informação gerada por cidadãos comuns – que não têm como actividade o jornalismo – criou essa questão, mas é também a própria resposta ao problema. As relações na Internet baseiam-se cada vez mais na confiança e recomendação, e com tanta escolha existe uma fiscalização entre utilizadores e os conteúdos que geram, sobressaindo sempre os melhores, e acabando os piores por serem ignorados ou desmascarados. Esta autoregulação é extraordinária e fortíssima, mas não está relacionada com os princípios éticos do Jornalismo mas com princípios morais de uma sociedade que vive online e que busca de forma activa a melhor informação possível. Os valores éticos terão que estar permanentemente presentes no trabalho dos jornalistas, que terão que ser os mais fidedignos e capazes possível para poderem estabelecer dois activos extremamente importantes para a sua actividade: reputação e confiança. Se plagiarem facilmente serão apanhados, se  mentirem caírão em desgraça, em poucos minutos se destrói uma imagem que demorou anos a construir. O papel do jornalista continua a ser recolher a informação, venha ela dos cidadãos repórter ou não, e submetê-la ao seu filtro ético, procurar a verdade, não aceitar como final a informação que lhe é disponibilizada. A ética do jornalista é o valor-padrão de qualidade de informação, agora se a informação que os cidadãos repórter alcança ou não esse padrão é outro problema, que como disse, se resolve por sim mesmo.

-A diferença entre o ciberjornalismo e o jornalismo tradicional está relacionada apenas com uma questão de meio e formato, ou também uma diferença nos métodos de tratamento da informação? Assim sendo, será que também a ética deverá ser diferente?

Há diferenças nos formatos e acrescenta-se agora a relação com o público, que é um capitulo novo a escrever na ética jornalística, já que podemos ter contribuições dos utilizadores que podem influenciar o trabalho do jornalista,   e é preciso saber como creditar e até que ponto deixar ir essas contribuições, e aplica-se desde a análise comunitária de uma quantidade enorme de dados à moderação de comentários. Questionou-se o pagamento do site TMZ por informações sobre a morte de Michael Jackson, mas há anos que se faz isso. É menos correcto por ser um site ou sempre foi incorrecto? Vale tudo pela informação correcta primeiro que todos? Creio que os dilemas éticos presentes no Ciberjornalismo são basicamente os mesmos que sempre existiram antes do Jornalismo ser “ciber”, mas elevados à dimensão de uma sociedade da informação ávida de conteúdos noticiosos e num meio altamente competitivo. Mas caso todos os princípios éticos falhem, a última entidade reguladora será o consumidor, que agora tem o poder de questionar e desmascarar todas as situações duvidosas que lhe surgem, e rapidamente recorrer a alternativas. Antes isto não era possível e comia-se o que nos punham à frente, agora podemos escolher tudo. A ideia de que o público é amorfo e estúpido que existia na cabeça de alguns propagandistas é totalmente descabida nos dias em que vivemos, onde os utilizadores têm uma atitude proactiva no consumo de informação. Por isso a ética só deverá ser diferente numa coisa, tem que estar sempre a ser relembrada para não se cair em tentações próprias da vertigem informativa, tão propícia ao erro.